O Percurso de Volta


Sempre fui ensinada a não desejar mais do que posso ter - talvez porque quem me ensinou, não tinha muito para me dar. Não sei. Só sei que nunca ambicionei o impossível ou a felicidade suprema, reconhecendo sempre as pequenas benesses e dádivas da vida, com a plena consciência de que nada é eterno. Porém, tudo muda quando somos confrontados com a perda física. Com a ausência da presença. Nasci, cresci e vivi, com as pessoas que me são mais queridas junto de mim, e mesmo aquelas que o destino por vezes teimava em levar para longe, também essas permaneciam sempre e igualmente presentes. Quando se perde uma parte tão importante de nós, como eu perdi recentemente, o mundo deixa de fazer sentido e as memórias que ficam - por muito boas que sejam - não conseguem preencher o vazio deixado por essa perda. Por vezes são como pesadelos, tal é a dor que sentimos quando se recordam. Mas essa perda traz-nos outra consciência - a de que existe a possibilidade de a dor ser ainda maior. A dor de voltarmos a perder alguém querido.

Embora nunca tenha sido pessoa de sofrer por antecipação, durante algum tempo senti essa (estranha e inquietante) necessidade. De sofrer e chorar por quem ainda não perdi, como se com isso me quisesse preparar para a dor que ainda não senti. Remeti-me ao silêncio e à introspecção. Uns dias vazia, outros preenchida. Uns dias inspirada, outros apenas apática. Acabei por me perder num caminho que não conhecia, assim como nos motivos que me levaram a escolhê-lo. Um caminho tão espinhoso, que me obrigou a parar e a reflectir sobre a continuação do seu percurso. A solução era continuar e perder-me de vez ou fazer o percurso inverso e reencontrar-me algures no caminho que ficou para trás. Escolhi  fazer o percurso de volta. De volta ao privilégio da companhia e da presença das pessoas que me rodeiam. De volta ao aceitar de novo que tudo pode mudar e à plena consciência de que nada é eterno. Um percurso de volta a mim.

A verdade está em nós - alguém disse - está no que nos rodeia. Nas pessoas, nos gestos, nas palavras. Ou simplesmente a verdade é tão somente a ilusão de que a verdade existe. Não sei. Pedi-vos tempo, espaço, compreensão. Deram-me carinho, apreço e nunca me deixaram só. Deram-me palavras de alento, de incentivo e de força. Palavras que bebi em silêncio, uma por uma. Palavras que me reconfortaram - algumas fizeram-me sorrir, outras fizeram-me chorar sorrindo. Em cada letra um reflexo, em cada reflexo um pouco de mim. Um pouco daquilo que sou. Daquilo que sei que sou.

E eu sou aquela pessoa que em delicada postura desce a rua, que ouve a música de fundo e sente a brisa suave, que é cúmplice da ave, na vontade madura de abraçar o mundo. Aquela para quem o copo está sempre meio cheio e nunca meio vazio. Aquela que acha que tudo tem um lado positivo, mesmo quando não parece.  Aquela que se reserva sempre o direito de sofrer as desilusões, dando-lhes apenas a importância que elas merecem. Assim sou eu. Assim quero continuar a ser. Obrigada a todos por não me deixarem esquecer disso e por me ajudarem a percorrer o caminho de volta. A verdade pode estar em todo o lado e em lado nenhum em simultâneo, mas há uma verdade que é incontestável - a minha verdade sou eu que a faço. Muito obrigada!

27 comentários:

Fê blue bird disse...

Amiga:
Este seu desabafo merece um comentário adequado ao que escreveu, de forma tão honesta e emotiva.
Quase que podiam ser minhas as suas palavras, se eu tivessem o dom de escrever assim tão bem, pois já sofri assim, já andei perdida,e foi na amizade chamada virtual, que me encontrei e que me consegui erguer.
Podia me alongar, mas não é de mim que quero falar agora, é de si, da sua força, da sua beleza interior e da sua presença inspiradora.
Alguém me disse um dia, que é em nós que está a solução, em nós e na energia positiva que recebemos de quem nos estima.
E eu estimo-a muito!
Beijinhos muitos

Catsone disse...

Helga, reconheci um pouco de mim nesse texto. Tb eu já sofri por antecipação tentando imaginar qual seria a reacção à perda. Descobri que, até podemos imaginar, o sentimento real é muito mais forte e imprevisível.
Saúdo essa tua vontade de estar com as pessoas das quais gostas e queres bem. Há que aporveitá-las agora, pois é isso, que deste lugar, se leva.
Fica bem
Bj

Olga Mendes disse...

Helga gostaria de conseguir deitar as coisas para fora com tanto sentimento e emoção, e coloca-las assim em letras e com elas formar palavras e frases. Não sei fazê-lo, vou e venho como o vento, ausento-me e volto muitas vezes sem as pessoas darem por isso ou até eu muitas vezes dar por isso. Na nossa vida temos realmente que nos concentrar no que realmente é importante, na nossa família, nas pessoas que nos querem bem e saber "beber" dessa felicidade. És uma guerreira. Beijinhos.

GizeldaNog disse...

Tenho muito pouco a dizer, mas espero quee você leia as entrelinhas.

M-A-R-A-V-I-L-H-A! de texto e de volta.

Muitos beijos.

luisa disse...

Eu também sou "aquela que acha que tudo tem um lado positivo, mesmo quando não parece". Ainda bem que encontraste o caminho de volta a este e certamente a outros espaços teus. Que bom é ler esta afirmação de vida e de luz!

AC disse...

É bom senti-la de volta.
Bem-vinda, Helga!

Poetic Girl disse...

Que desabafo mais lindo Helga. Fiquei comovida, em algumas linhas remeti-me à minha própria realidade, também eu sei o quanto dói perder quem se ama, e o medo que isso suceda novamente... também eu me agarro a tudo para não me afogar na mágoa que por vezes toma conta de mim! bjs

Ava disse...

Assim é a amiga que me acompanha à mais de vinte anos. A pessoa que sempre vi a irmã que nunca tive e a irmã que sempre desejai ter. Que me levanta quando caio, que nunca perde a fé em mim, mesmo quando eu já a perdi à muito.
As tuas palavras comoveram-me e mais uma vez me lembraram que nunca quero perder a amizade, a cumplicidade e o sentimento que nos une. Tenho um imenso orgulho em ti, um orgulho que partilho como se fosse um pouco meu e a certeza que nunca, mas nunca mais quero estar afastada, seja porque motivos da minha amiga, da minha irmã do coração.

Adoro-te amiga e continua sempre a ser a pessoa linda e maravilhosa que és e que amo muito.

Beijinhos.

Brown Eyes disse...

Helga quem não andou já sem rumo por causa de uma perca? Todos nós e há percas que nos deixam uma ferida enorme mas, temos que as curar se queremos viver. Viver é o que realmente vale a pena, é aquilo que depende de nós, viver feliz. É nisso que deves pensar. Percas talvez tenhas mais, ou não, é uma incógnita e sendo-o não merece preocupação. Ao desconhecido não lhe devemos dar muito valor, devemos saber que existe, precavermo-nos contra possíveis ataques dele mas, nunca deixar de viver prevendo o que talvez nunca aconteça. Se for preciso tomar uma atitude radical para se seres feliz toma-a, se precisares de um ombro amigo sabes que podes contar comigo e com muitas das pessoas que te seguem. O sofrimento ajuda-nos a crescer e dá-nos aquela força sobrenatural para continuarmos. Um beijinho grande Linda

Brown Eyes disse...

Helga depois de ler o comentário da Ava, vieram-me as lágrimas aos olhos, se alguém tinha dúvidas da beleza que te envolve perdeu-as. São estas maravilhas que a blogsfera me deram a conhecer, pessoas como tu, que temos pena de não estarem mais perto de nós. Beijinhos

Alda disse...

Lindo este desabafo da tua alma...
Beijinho de luz!

Patricia Silva disse...

Há fases da nossa vida que nós não nos sentimos bem, nessas alturas temos que nos agarrar às pessoas que mais amamos e tentar a volta por cima. Nem sempre é fácil mas felizmente conseguiste.
Bjocas
Patty

Insana disse...

Tenha um otimo fim de semana

bjs
Insana

Helga Piçarra disse...

Fê,

Eu é que tenho a agradecer toda a sua energia positiva e as suas palavras de carinho. Obrigada por estar sempre aí. A sua presença tem sido muito importante e reconfortante.

Um beijinho grande :)

Helga Piçarra disse...

Catsone,

Que bom que é reencontrar-te por aqui de novo. É como dizes, podemos imaginar a dor, mas quando ela nos toca, nada é como imaginamos e nunca estamos preparados. Há que desfrutar ao máximo daqueles que amamos e nos estimam, pois é isso e apenas isso que importa.

Fica bem tu também e obrigada!

Um beijinho :)

Helga Piçarra disse...

Olga,

Todos nós já andámos à deriva. Umas vezes porque nos deixamos ir, outras porque não temos forças para lutar e outras, porque nem percebemos que somos arrastados pelo vento. O que importa é saber reencontrar o caminho e a força, e tu sempre encontras. Umas vezes mais depressa, outras vezes mais devagar, mas o importante é voltar.
Obrigada pelas tuas palavras.

Um beijinho :)

Helga Piçarra disse...

Gizelda,

As suas entrelinhas são um conforto para a minha alma. O-B-R-I-G-A-D-A!

Um beijinho grande :)

Helga Piçarra disse...

Luísa,

Muito obrigada pelo apoio sempre tão positivo. Tudo tem um lado bom, mesmo quando não parece - é verdade!

Um grande beijinho :)

Helga Piçarra disse...

AC,

É bom estar de volta. Muito obrigada!

Um beijinho :)

Helga Piçarra disse...

Bela,

Dói mesmo muito, mas quando temos onde nos agarrar e alguém que nos ajude a ultrapassar essa dor, tudo volta a fazer sentido. Aceitar que a vida continua sem a presença dos que perdemos, torna-se menos difícil.

Um beijinho grande e obrigada :)

Helga Piçarra disse...

Ava,

Que dizer-te... eu sou assim... sou aquela que ás vezes peca por querer que todos sejam fortes, quando eu mesma já me fui abaixo, mas que mesmo assim acredita que é possível. Desistir dos nossos amigos, é desistir de nós, daquilo que acreditamos e daquilo que nos une. E o que nos une é uma amizade longa e muitas vezes imperfeita, mas resistente à passagem dos anos, ao nosso amadurecimento e à forma muitas vezes oposta de vermos a mesma coisa. Talvez seja por isso que resiste, não sei. Só sei que também te adoro e que adorei igualmente as palavras de carinho que aqui me deixaste, assim como todos os momentos que passámos juntas, mesmo os menos bons, porque foram esses que nos fortaleceram e nos uniram ainda mais. Obrigada!

Um beijinho muito grande :)

Helga Piçarra disse...

Mary,

A dor não é exclusiva de ninguém, apenas a sentimos de forma diferente quando ela chega. Necessitei de um tempo para tentar preencher um vazio deixado em aberto, mas percebi que há vazios que não se preenchem - aceitam-se e recordam-se com ternura, porque se a vida não é eterna, as memórias são-no com toda a certeza. Muito obrigada pelas tuas palavras, é bom saber que a blogosfera tem destas coisas, amigos invisíveis que ocupam um lugar muito especial em nós.

Um beijinho grande :)

Helga Piçarra disse...

Alda,

Muito obrigada!


Beijinhos de luz :)

Helga Piçarra disse...

Patty,

Absolutamente. As pessoas que mais amamos e que nos amam, são o nosso maior bem. Há que desfrutar esse amor em pleno, pois é nele que encontramos a nossa força. Sempre!

Um beijinho e muito obrigada :)

Helga Piçarra disse...

Insana,

Igualmente. Obrigada!


Um beijinho :)

Rogério G.V. Pereira disse...

Quem é Helga?

É aquela para quem o copo está sempre meio cheio e nunca meio vazio.
É aquela que merece que lhe encham, ou preencham, um bocadinho da parte vazia do seu copo...

(Da minha parte eu farei o que souber, mesmo que de forma avinagrada)

Beijo

Helga Piçarra disse...

Rogério,

Se por um lado, não é com vinagre que se apanham moscas, por outro, nem só de palavras doces vive uma mulher. Esteja à vontade para avinagrar tudo por aqui. O que seria da vida sem um pouco de condimento, certo?

Beijinhos e obrigada pela força - mesmo avinagrada :)