Artistas de Circo


Somos todos artistas de Circo. Malabaristas de pareceres e aparências. Quando o pano sobe, respiramos fundo, ensaiamos o nosso melhor sorriso, corrigimos a nossa postura e tentamos não desiludir a plateia que nos observa atentamente. Uma plateia ansiosa, que nos espera ver brilhar, mas que aguarda silenciosamente o nosso primeiro erro para nos lembrar as nossas falhas e imperfeições. Só conhecemos alguém quando conhecemos o seu contrário. O contrário de um artista é a sua falha perante um público expectante, porém traiçoeiro e sedento do seu fracasso. É exactamente assim o nosso contrário. Contrabalançamos o nosso carácter honesto e leal com o nosso lado mesquinho e ardiloso, mas no fim optamos sempre por nos proteger de quem somos. É a confiança que temos na nossa actuação que muitas vezes nos trai. Ensaiamos até à exaustão o nosso número, que não contamos que o mesmo possa ser passível de falhas e erros. 

Darmos a alguém a conhecer quem somos, é dar-lhes a conhecer aquilo que nós mesmos não conhecemos. A humildade é um dom e a honestidade é sem dúvida uma virtude, porém ambas podem ser um trapézio sem rede, se nos limitarmos a viver só e unicamente apoiados nelas. O perigo da nossa queda, consiste precisamente numa gestão errada de nós mesmos, pois muitas vezes a nossa maior falha, não está em não saber reconhecer os nossos defeitos, mas sim em não saber lidar com as nossas virtudes. Não somos seres superiores. Somos todos imperfeitos. Falsos e leais. Honestos e mesquinhos. Felizmente tenho a minha plateia para a qual posso actuar sem medo de falhar. Felizmente sou imperfeita. Felizmente sou humana.

(Helga - Novembro 2009)

8 comentários:

GizeldaNog disse...

Helga...
Nem sei quantas vezes aqui estive esperando você "ressurgir"!

Não imagina como estou feliz com sua volta, pelo template iluminado, pelo texto profundo e por você.

...e acredito que passamos a vida em busca de platéia,o erro é inevitável, mas o medo de sermos julgados e excluídos nos faz muito menos do que podemos ser.

Beijo, querida! Uma volta triunfal!

Catsone disse...

Helga, acho perfeita essa analogia com o circo. Eu gostaria de ser o palhaço para fazer os disparates todos e aceitá-los como parte da minha actuação. O palhaço é o único que tem desculpa para fazer trapalhadas sem que se ajuíze muito a respeito, certo. Mas há, no entanto, quem tenha medo dos palhaços: apesar do "nonsense" muitos prestam muita atenção às entrelinhas da conversa dos palhaços.

Bj.

PS: já tinha dito que o texto é uma beleza?

su disse...

adorei, simplesmente...

[a eterna necessidade de usarmos máscaras para os outros... até ao dia em, nem mesmo nós, nos reconhecemos mais]

um beijinho...

Poetic Girl disse...

E não é que é mesmo? saudades das tuas escritas, andas tão ausente... beijocas

AC disse...

Helga,
Adorei o texto. Passo mais tarde para comentá-lo com outra acuidade.

Beijo :)

Johnny disse...

Não sei se há motivos de felicidade na imperfeição, mas que ela existe em todos nós ninguém pode negar.

Eliete disse...

Helga você tem razão em tudo que escreveu sobre nós. Mas a vida é este palco, que nos atrai mesmo com todos os perigos e imperfeições. Como disse o psicanalista Winnicott: precisamos ser suficientemente bons, daí não devemos temer nossos erros. beijinhos e uma linda semana para você.

Luz Santos disse...

Quanto mais estivermos atentos e preocupados com a plateia pior é o desempenho.
Quem sobe ao palco deve ter a consciência de como pode reagir o público.
Por isso eu penso que o público deve estar no escuro para não prestarmos atenção às suas reacções.
Gostei do que li e sobre isto há muito a dizer.
Bom 2011